Ao domesticar o meio ambiente e combater doenças, aumentamos
drasticamente nossa expectativa de vida. Agora, é a biologia que nos impede de estendê-la. Existe alguma forma de contornar a natureza?
O advogado francês André-François Raffray pensou ter fechado um excelente negócio com Jeanne Calment, uma velhinha de 90 anos que contava ter vendido pincéis a Van Gogh e presenciado a construção da Torre Eiffel nos anos 1880. Em 1965, Raffray propôs pagar a Jeanne uma quantia mensal até o final da vida dela. Em troca, após sua morte, o confortável apartamento de Jeanne, no centro da cidade de Arles, no sul da França, se tornaria propriedade de Raffray. Jeanne já passara duas décadas da expectativa de vida dos franceses para a época, e sua morte parecia uma questão de (pouco) tempo. O montante que Raffray teria de desembolsar até lá não chegaria perto do valor real do imóvel. O acordo parecia um negócio e tanto para o advogado. Isso se Jeanne não tivesse vivido até os 122 anos! Ela morreu em 1997 – dois anos depois de Raffray. Ele, que viveu até os 77, nunca chegou a ser proprietário do apartamento (apesar de ter pagado, durante 30 anos, quase o dobro do valor de mercado). “Na vida, às vezes fazemos maus negócios”, disse Jeanne em seu aniversário de 120 anos, poucos meses antes da morte de Raffray.
Não foi falta de tino comercial ou erro de planejamento. Raffray foi vítima de um capricho da existência. Nunca na história, pelo menos nos registros oficiais, um ser humano viveu tanto quanto Jeanne. Sua longuíssima existência é inexplicável e, até o momento, irreproduzível. A receita para chegar ao aniversário de três dígitos não foi escrita – até porque Jeanne tinha hábitos que costumam roubar anos de vida. Ela fumou até os 117 anos e fazia uma dieta desequilibrada, embora praticasse muito exercício. Até os 100, era possível vê-la andando de bicicleta. Explicar como essa combinação de elementos contraditórios resulta em 122 anos de existência é um desafio
Dona Jesuina com 120 anos
Há cientistas do mundo inteiro à procura da fórmula da vida longa. Eles já sabem que centenários como Jeanne costumam ganhar o bilhete premiado da loteria genética. Têm um conjunto de genes que parece proteger o organismo dos fatores que causam envelhecimento. Seria viável criar um composto químico que, ingerido numa pílula, faria o corpo dos desafortunados da genética funcionar como se tivesse os genes centenários? Alguns pesquisadores acreditam que é possível. Para eles, o envelhecimento é uma doença que, no futuro, poderá ser evitada. Se esse dia chegar, a vida longeva de Jeanne estará ao alcance de todos.
Na teoria, não há limites para a duração da vida. Os seres humanos não nascem programados para parar de funcionar em 50, 60 ou 90 anos. Em tese, nossos limites são indefiníveis. Há indícios de que exista algo semelhante a um prazo de garantia, válido para toda a espécie humana, mas ele ainda não foi perfeitamente entendido. Sabe-se que, durante esse período, os equipamentos orgânicos, assim como as peças dos carros, devem funcionar em sua melhor condição. Depois, o desgaste causado pelo uso é inevitável. “Nossa garantia expira por volta dos 55 anos”, diz o americano Stuart Jay Olshansky, pesquisador do Centro de Envelhecimento da Universidade de Chicago. É tempo suficiente para ter filhos, garantir que eles cresçam e vê-los tornar-se independentes. A diminuição da disposição e os problemas de saúde que costumam aparecer depois desse prazo, diz Olshansky, são indícios de que a garantia chegou ao fim. “A única maneira de estender dramaticamente a duração da vida é descobrir como retardar o envelhecimento”, afirma Olshansky.
A palavra-chave na frase dele é o advérbio “dramaticamente”. De forma constante, a expectativa média de vida humana só tem crescido. O número de brasileiros que chegam aos 100 anos cresceu 77% entre as décadas de 1990 e 2000 – um marco impensável para nossos ancestrais nômades. Há até 12 mil anos, a duração média de vida era 31 anos. Atualmente, o povo mais longevo do mundo, o japonês, vive em média 83. A melhora foi grande, e nem tão lenta quanto parece. “O grande aumento da expectativa de vida aconteceu a partir de 1900”, afirma o demógrafo James Vaupel, pesquisador do Instituto Max Planck, na Alemanha. Os estudos de Vaupel sugerem que apenas 4% dos seres humanos que caminharam pelo planeta aproveitaram o que chamamos de terceira idade.
Avançamos muito, mas chegamos diante de uma muralha. Com o conhecimento disponível hoje, é possível trazer um número cada vez maior de pessoas para a expectativa média de vida dos japoneses, de 83 anos. Mas ninguém sabe como produzir uma geração de Jeannes. Para isso, seria necessário desvendar e alterar os fundamentos genéticos da longevidade. Isso ainda não aconteceu. Até agora, ganhamos tempo. Aprendemos a nos defender das ameaças ambientais que ceifavam prematuramente nosso potencial biológico. O saneamento básico, as melhores condições de moradia e a melhora na educação deram sua contribuição fundamental para salvar vidas. As vacinas e os antibióticos diminuíram drasticamente a mortalidade infantil. Domesticamos o ambiente e pudemos, enfim, envelhecer. Mas agora nos defrontamos com a barreira que nos impede de prolongar ainda mais a vida. Agora, resta domesticar a biologia.
Não faltam tentativas. Descobertas básicas da ciência deram origem a produtos e tratamentos à disposição de quem quer tentar controlar o relógio biológico. Sua eficácia é objeto de polêmica entre os pesquisadores, assim como os possíveis riscos. A seguir, o que diz a ciência sobre as estratégias antienvelhecimento que estão a nosso alcance.
Marcela Buscato,com Júlia Korte – Revista Época.
São Paulo arquivo de Dona Jesuina aos 120 anos em foto dominical / arquivo pessoal
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