Assumir a homossexualidade ou outra identidade de gênero é uma decisão
difícil, pois não se sabe de que forma a revelação irá afetar a vida afetiva, familiar e profissional. Por isso, muitos acabam deixando a revelação em último plano. E, quando a velhice e a homossexualidade ou as questões de gênero ocupam os mesmos espaços, o preconceito e a exclusão costumam aparecer em dose dupla. Por outro lado, para outros, é quando chega a terceira idade que a vida pode ganhar um novo sentido.
Recentemente, o bisavô inglês Roman Blank surpreendeu o mundo ao se declarar homossexual aos 95 anos. A revelação desse senhor, que sobreviveu ao holocausto, foi casado por mais de 60 anos com uma mulher e tem dois filhos, foi feita ao youtuber Davey Wavey em vídeo que já teve mais de 400 mil visualizações. “Eu disse para eles (família) que nasci e fui gay a minha vida toda. Então, contei a eles toda a tragédia que foi a minha vida, para que pudessem entender o que houve comigo. Você pode imaginar 90 anos no armário?” Orgulhoso de sua coragem, um dos netos, Brando Gross, decidiu registrar essa história no documentário “On My Way Out” (De saída”, em tradução livre), que está sendo produzido.
Há, de fato, um número maior de pessoas se revelando, aponta o psicólogo e psicoterapeuta de terapia afirmativa para homossexuais Klecius Borges. Com base em relatos feitos em seu consultório, em São Paulo, ele atribui esse comportamento “às mudanças comportamentais e sociais em relação à sexualidade e também a uma ênfase maior na busca por uma vida mais feliz e livre”.
Por outro lado, quem acaba adiando demais essa manifestação costuma ter que lidar também com as consequências desse processo de auto repressão, como ansiedade, depressão, abuso de substâncias (álcool, cigarro e outras drogas), doenças psicossomáticas, entre outras.
Segundo uma pesquisa realizada em 2012 pela ONG inglesa Stonewall, o preconceito e a falta de direitos civis acentuam as consequências do envelhecimento para os homossexuais. Resultados semelhantes também foram encontrados no Brasil. Dados apresentados pela psiquiatra Carmita Abdo, durante o Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, em 2014, indicam que os idosos LGBTs são mais propensos a sofrer de depressão: 24% das lésbicas e 30% dos gays, contra 13,5% de heterossexuais.
Situações de maus-tratos e solidão, que acometem a população idosa em geral, são ainda mais preocupantes entre os gays. O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo. O levantamento aponta que, entre a população com mais de 61 anos, existem 2,2% de homossexuais e 1,8% de bissexuais do sexo masculino. O índice, porém, não reflete, necessariamente, a sociedade, já que muitas pessoas não revelam sua orientação.
Preconceito interno. No livro “Ao Sair do Armário, Entrei na Velhice… Homossexualidade Masculina e o Curso da Vida”, escrito pelo ativista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Murilo Peixoto da Mota, chama atenção o preconceito entre os próprios homossexuais. No caso da velhice, os próprios LGBTs discriminam seus pares, logo tachados de “bichas velhas”. “Vivemos em uma sociedade que cultua a juventude, o velho é encarado como feio, não sexualmente atraente”, diz.
Na avaliação da coordenadora da especialização em geriatria da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seção Minas Gerais, Ana Cristina Nogueira, em Belo Horizonte ainda é difícil que os idosos falem sobre sexualidade nos consultórios, pois “foram criados com muito rigor, preconceitos e religiosidade”. “Tive um paciente que me falou uma vez que ser uma ‘bicha velha’ era impossível, usando um termo que transparecia uma autoimagem horrível”, contou.
Laerte Coutinho
A cartunista Laerte Coutinho é hoje uma das transgêneros mais conhecidas do país. Antes de fazer a transição, ela se casou três vezes e teve três filhos. Sua transformação se iniciou em 2009, aos 60 anos. “A descoberta envolveu a abordagem do tema em uma tira, quando meu personagem Hugo se travestiu de forma muito significativa”, conta. Bissexual, ela diz que, antes de se assumir, viveu momentos de “terror e pânico”, mais em relação à orientação sexual do que à questão de gênero. “É difícil ver com nitidez o que se passa em nossa formação e em nossas elaborações pessoais, enquanto reprimimos um sentimento tão poderoso. Ao contrário do que se passa com a maior parte das pessoas transgênero, para mim não foi um sacrifício viver a masculinidade, pois encontrei prazer na heterossexualidade”, diz. (LM) –Foto Claudia Ferreira (divulgação)
Letícia Lanz
Letícia é transgênero, casada com uma mulher, e tem três filhos e três netos. A psicanalista e escritora mineira, autora do livro “O Corpo da Roupa – Uma Introdução aos Estudos Transgêneros”, foi uma das personagens da série do canal GNT “Liberdade de Gênero”. Ela conta que um dos medos que teve foi o de ter sua questão de gênero confundida como uma questão de orientação sexual. “Para o povão, existem apenas veados ‘mais afetados’”, afirma. Em sua avaliação, as condições atuais da velhice trans no país são “péssimas”, sem “luz no fim do túnel”. “Vejo uma tendência a se aterrorizar as pessoas trans que vão envelhecendo no Brasil. As pessoas transgênero, especialmente as mais carentes de recursos, padecem das mesmas dificuldades que a velhice em geral, com o agravante de trazer a reboque o estigma e a transfobia da sociedade”, diz. “A minha luta é pelo resgate dos direitos civis da população transgênero e pela ampla educação do público com relação ao que é essa condição”. (LM) – Foto – Arquivo pessoal
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