Tive dias melhores em meu passado. É o que parece, reavaliando as coisas.
Do que me arrependo? O que poderia ter feito ou deixei de fazer ? Perguntas que agora me trazem tanta inquietação. Me acho culpado por todos os desvios de rota em minha vida, por erros de julgamento que cometi no passado. O que me faz sentir tão frustrado que nem consigo dormir direito? Como agora, neste momento?
Acho que minha insegurança não vem só dos livros que não escrevi, dos filmes que não fiz, do sucesso que não tive. Podia ser algo assim, um problema existencial, individual. Mas não é. Meu abatimento, acho, vem de eu ter passado demais tempo da minha vida sem me ligar no coletivo, no social, no político. Não tive consciência dos outros, do alheio. Quis para mim coisas, valores pequeno-burgueses de uma geração alienada, fui andando meio cego, só vendo meio metro na frente. Disso eu me arrependo. Da prepotência e da ignorância.
Me sinto às vezes como um judeu que decidiu ficar na Alemanha enquanto o país se nazificava – e eu sem querer acreditar na catástrofe enquanto ela vinha, tão depressa. É dessa inconsciência de que falo. Não me toquei dos giros cíclicos que iam acontecendo no mundo, deles só participando como espectador distraído. Que nem um soldado japonês na 2a.guerra que admitiu sem discutir a idéia de ter um imperador Deus. Um russo que não acreditou na iminência da invasão militar alemã. Um brasileiro que dormiu risonho e franco enquanto o pt mentia, crescia e prosperava, como um câncer maligno insuspeitado. É disso que estou falando.
Vejo nestes dias a Venezuela vizinha, que se deixou tomar pelo castrismo comunista. E parece que esse perigo está armado para nós, brasileiros, sem que eu me sinta capaz de fazer nada para mudar o rumo do meu país, da minha vida. Não me toquei à tempo. Assim, é também minha a culpa que o Brasil tenha chegado a tais abismos de corrupção, decadência. Olho para trás e jogo cinza em cima da cabeça, em sinal de tristeza pela minha paralisia passada. Penso que estamos todos assim, num estado de infelicidade asfixiante. Meus filhos vão pagar um preço por eu ter acordado tardiamente.
Talvez, penso às vezes, meio constrangidamente, que eu deveria ter ido embora daqui, enquanto podia.
Enio Mainard
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