Chegou a hora de revalidar minha carteira de motorista. Este assuntinho aqui é quase irrelevante, aviso.
Então, pode pular esta cronicazinha e ir para uma outra mais importante.
Não foi? Ótimo, então vamos jogar um pouco de conversa fora.
Eu tinha duas alternativas: ir a uma Auto Escola. Ou tentar o Poupa Tempo. Foi essa minha decisão: peguei um metrô, só havia andado num, aqui no Brasil, uma única vez.
Que espantoso! Metrô limpo, organizado. Meio cheio, hora de rush.
Mas uma moça me ofereceu seu lugar. Hesitei, ainda não estou aleijado. Mas aceitei, mais por gentileza mútua. Terceira idade, expressão odiosa. Na Praça da Sé, mergulhei num oceano de corpos, fazia tempo que não ia ao centro.
Um compêndio sociológico. O Brasil não é branco, o que não é novidade, claro. Há um sortimento de raças, tem de tudo. Mas com variações nessa paleta de cores, de negros indo até mulatos, nos mais diferentes tons. Somos diversificados aqui, vira-latas legítimos, sem frescura.
Muita pobreza, mas com dignidade.
Dá para sentir, andando no meio do povo, a dureza de estar desempregado. E ter que batalhar vendendo chocolate, bonequinha, pano de prato bordado. Me deixei levar como se fosse um estrangeiro andando no meio dos nativos. Quis olhar tudo como se não fizesse parte do povaréu . Quando eu “estudava” na São Francisco, tinha que andar ali pelo centro, descobrindo botecos para tomar uma média e pão-com-margarina. Ou cruzando a rua Direita, dando esbarrão nas pessoas, para chegar num barzinho “joia”, no porão do edifício Martinelli, que servia uma batida legal de tamarindo. Depois de um dia como repórter, depois do expediente, era o paraíso. Com sanduichinhos de conteúdo inidentificável: meu estômago, na época, aguentava tudo, soda cáustica com estricnina era refresco.
Dizer que fiquei comovido com minha andada de reconhecimento, seria uma hipocrisia. Mas, meu Deus, como eu me senti brasileiro. Curiosamente, me ocupou o cérebro um sentimento como de culpa, por ainda estar sobrenadando no caos. Nós, da classe média, estamos derrapando de nossos antigos privilégios. Restaurante caro, nem pensar. Carro, vai ter que ficar velho, como a gente, cuidando para não queimar muita gasosa. Comprar importados? O empório Santa Luzia devia vender suas comidas com tarja preta, só com receita médica.
E assim vamos indo, para baixo. Mas cada dia mais conscientes, espertos.
Chega de recuerdos.
Então só uma dica: vá conhecer o PoupaTempo. Ótimas instalações, ótimo pessoal resolvendo as burocratices, ótima sinalização interna e eles me revalidaram a carta de motorista bem depressinha, pela metade da metade do preço de uma Auto Escola. Enfim, chegamos ao tempo do restaurante de kilo e na administração mesmo das pequenas despesas.
Vivemos em tempos complicados, como se o país estivesse em época de racionamento, na guerra. E quer saber? Estamos na guerra, mesmo.
Mas… cabeça erguida! porque os tempos vão mudar.
Enio Mainardi
Club50mais